E se caísse a TV?
O dicionário caiu no chão com um estrondo. E afloraram todos os sinônimos dos meus medos. Você já derrubou uma televisão ligada? Pois é, eu também não. Da mesma forma que nunca havia derrubado um dicionário. Entrei em pânico. Foi como se tivesse cometido o maior de todos os desrespeitos.
Não que derrubar uma TV seja desrespeitoso. Mas só a idéia do tombo e a suposição do estrago assustam. Ora, um dicionário é uma TV sempre ligada em programas interessantes. Só não precisa de tomada ou controle remoto. E não tem comerciais. Melhor ainda: não tem novela das oito, nem futebol.
Ora, você diz, é um absurdo comparar um livro a uma aparelho de TV. Mas dicionário não é um livro. É mais, é muito mais do que um livro. Um dicionário é uma biblioteca inteira. São décadas, séculos, milênios de conhecimento. Tragédias, dramas e silêncios estão ali, espremidinhos, em pequenos, médios e grandes verbetes. Feito TV.
A TV tem o mundo em um pequeno retângulo de vidro. É certo que nela há sons e imagens o que, ademais, nos dicionários está apenas sugerido. Mas para bom leitor, meia palavra basta. Na TV e nos dicionários encontro explicações e novas dúvidas. Descubro o mundo. Reconstruo a mim mesmo.
A sua risadinha irônica pode antecipar um comentário do tipo: "esse é um alienado!" Bobagem! Essa idéia dos tempos da Ditadura já caiu em desuso. TV é muito mais que um instrumento alienante e manipulador das massas. Através dele é possível recontar a história. Essa talvez seja a característica enciclopédica da TV. Ainda vão descobrir formas comerciais e rentáveis de se fazer bons programas televisivos, como já fazem bons dicionários.
Só não os derrube. Os danos podem ser irremediáveis. Deixei cair o Aurelião e fiquei abalado como se tivesse derrubado todos os autores de uma vez. Igual ao tombo de uma TV em final de Copa do Mundo. Um exemplo assustador de como é frágil o poder de todos os escritos. Como são frágeis os sentimentos de um espectador quando acaba a luz.
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